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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: AO QUAL LADO ELE PERTENCE ? [Por Hallan de Oliveira]

  



   O artigo lança luz sobre um momento de intensa mobilização judicial, particularmente no que tange ao julgamento de figuras políticas proeminentes por supostas tramas golpistas, com o Ministro Alexandre de Moraes em um papel central.

            Esta situação nos convida a uma reflexão aprofundada, atravessando diversas lentes teóricas da ciência política.

Primeiramente, a atuação enérgica do STF, descrita como uma que "rompe tradição de impunidade" e "projeta futuro democrático", remete-nos diretamente ao debate sobre o Estado de Direito e a separação de poderes. As teorias liberais clássicas, como as de John Locke, fundamentam a legitimidade do governo no consentimento dos governados e na proteção dos direitos, sugerindo que o povo soberano pode "cortar cabeças" em caso de conflito insanável com os governantes. No entanto, a forma como o Judiciário tem atuado tem sido objeto de análise crítica dentro da própria ciência política. Wanderley Guilherme dos Santos (WGS), por exemplo, expressa preocupação com o ativismo judicial, apontando que o STF frequentemente ultrapassa suas prerrogativas ao interferir em áreas de competência parlamentar, justificando-se pela "lentidão do Congresso". Ele argumenta que tal postura constitui uma "indébita amputação do Parlamento" e que os ministros muitas vezes "deixam de julgar dentro dos autos e da Constituição e passam a falar fora deles", revelando "preconceitos" e "desconhecimento especificamente político". O "voto didático" de Moraes, elogiado por alguns, poderia, sob essa ótica, ser visto como uma tentativa de impor uma determinada visão política, o que WGS categoriza como "discurso paralelo eivado de preconceitos antipolíticos e antipetistas"

 

A questão da dinâmica partidária e do conflito político também é salientada pelos fatos. WGS critica a oposição por sua busca "ansiosa por um discurso" e por recorrer a "retórica de escândalos e delírios golpistas" em vez de propor programas consistentes. A ideia de que um "grupo político não soube perder" e quase levou o Brasil de volta à ditadura ilustra um desafio fundamental para a consolidação democrática, onde a aceitação dos resultados eleitorais é um pilar. WGS, inclusive, já prenunciava, em 2005, a possibilidade de um "golpe branco" por parte da oposição, caso surgisse uma oportunidade com crises políticas

 

O papel da mídia na conformação da opinião pública e na reprodução de certas narrativas é outro ponto crucial. WGS adverte que a imprensa, muitas vezes alinhada aos "interesses do mercado", pode vilipendiar figuras públicas e pautar campanhas políticas, atuando como um "poder desestabilizador"

A afirmação de WGS de que "Ministros do STF pensam da mesma forma que a mídia" sugere uma intersecção entre o poder judicial e a narrativa midiática, o que pode influenciar a percepção pública dos julgamentos e, por vezes, a própria condução dos processos. Alessandro Nicoli de Mattos também discute como a mídia, ao reivindicar imparcialidade, pode influenciar a opinião pública, ressaltando a importância de uma "dialética midiática" para a formação de uma opinião crítica

 

Sob uma perspectiva marxista, as teorias de classes dominantes, como as abordadas por Danilo Enrico Martuscelli, oferecem uma lente adicional. Martuscelli, inspirado em Nicos Poulantzas, enfatiza a existência de um "bloco no poder" e a disputa pela "hegemonia política" entre as frações de classe dominante

As decisões do STF, nesse contexto, poderiam ser analisadas não apenas como atos jurídicos, mas como intervenções que, conscientemente ou não, servem para reforçar ou reconfigurar a hegemonia de determinadas frações de classe dentro do sistema capitalista. O alegado "caráter elitista das manifestações" criticado pela esquerda, ou a distinção entre "fração hegemônica" e "fração reinante", podem ser úteis para desvendar quais interesses estão sendo efetivamente priorizados na cena política. Martuscelli adverte contra a dissolução dos conceitos de classes sociais em abordagens focadas em "relações interpessoais de indivíduos"

 

A questão da corrupção e da impunidade é intrínseca a esses debates. A alegação de que o julgamento do STF "rompe a tradição de impunidade" toca em uma ferida histórica. Nicoli de Mattos ressalta a complexidade da corrupção no Brasil, suas raízes patrimonialistas e a percepção equivocada de que a redução da corrupção resolveria todos os problemas financeiros do governo. WGS, por sua vez, ao analisar o "mensalão", criticou as "condenações sem prova e teses absurdas", o que sugere que a luta contra a corrupção, quando desvirtuada, pode gerar novas formas de instabilidade jurídica e política.  Finalmente, é imperativo considerar as raízes históricas das crises políticas brasileiras. José Pedro Galvão de Sousa argumenta que o Brasil frequentemente padece de um "apriorismo político", importando modelos jurídicos e constitucionais estrangeiros que entram em conflito com a realidade social e histórica do país.

A tentativa de "retorno à posição de colônia brasileira" mencionada em um dos pode ressoar como análise de uma fragilidade estrutural na construção política nacional. Em síntese, a análise do julgamento em questão, à luz das teorias políticas, revela um intrincado tecido de forças em disputa. A atuação do STF, embora percebida por alguns como um marco para a democracia e a luta contra a impunidade, suscita em outros a preocupação com o equilíbrio entre os poderes e a politização do Judiciário. Essas diferentes leituras, fundamentadas em distintas bases teóricas – do liberalismo constitucional ao marxismo, passando pela crítica da mídia e pela história das instituições –, demonstram que a política brasileira está longe de ser um fenômeno simples. É um palco onde a "análise concreta da situação concreta" se faz não apenas necessária, mas um verdadeiro desafio intelectual e cívico.

 


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