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quarta-feira, 19 de março de 2025

O 'Pequeno Brasil' na África [Por Hallan de Oliveira]

 

O 'Pequeno Brasil' na África: A História dos Retornados e Seu Legado Atual

No século XIX, após revoltas e mudanças políticas nas colônias portuguesas, especialmente no Brasil, um fenômeno peculiar marcou a história da África Ocidental: a fundação de comunidades por ex-escravizados e seus descendentes, que retornaram ao continente africano em busca de uma nova vida. Essas comunidades, espalhadas por países como Gana, Benim, Togo e Nigéria, tornaram-se conhecidas como "Pequeno Brasil" devido à forte influência cultural que os retornados levaram consigo.

Origens e Motivação do Retorno

A Revolta dos Malês, em 1835, na Bahia, foi um dos marcos que incentivaram o retorno de afro-brasileiros à África. Muitos dos participantes eram muçulmanos escravizados que se rebelaram contra a opressão, e a repressão brutal que se seguiu levou diversas pessoas a buscar refúgio do outro lado do Atlântico. Além disso, a crescente pressão pelo fim da escravidão e a dificuldade de inserção dos libertos na sociedade brasileira também contribuíram para essa migração.

Em cidades como Lagos (Nigéria), Agoué (Benim) e Accra (Gana), os recém-chegados foram apelidados de "Agudás" e "Tabom", termos que remetiam ao contato com o Brasil. Muitos eram falantes de português e preservaram tradições como festas religiosas, arquitetura colonial e pratos típicos da culinária baiana.

Como Vivem Hoje os Descendentes dos Retornados?

Atualmente, essas comunidades ainda mantêm traços da cultura afro-brasileira. Em Lagos, por exemplo, edifícios em estilo colonial e igrejas construídas pelos Agudás ainda são preservados. Além disso, algumas famílias mantêm sobrenomes de origem portuguesa, como Silva e Souza, e celebram festividades de origem brasileira.

No Gana, a comunidade Tabom se tornou um grupo distinto, integrando-se à sociedade ganesa, mas preservando sua identidade cultura
l. A influência brasileira ainda é perceptível na culinária, em festividades e até mesmo na prática de religiões de matriz africana, como o candomblé, que sobreviveu com elementos sincréticos.

Desafios e Reconhecimento

Embora a herança cultural brasileira seja um elemento marcante nessas comunidades, muitos descendentes dos retornados enfrentam desafios para manter vivas suas tradições. Com a globalização e a influência crescente das culturas locais, parte da identidade dos Agudás e dos Tabom se diluiu ao longo dos séculos. No entanto, esforços de historiadores e governos têm buscado resgatar e valorizar essa história única.


Hoje, iniciativas culturais e projetos de cooperação entre o Brasil e esses países africanos buscam reforçar os laços históricos, promovendo intercâmbios e pesquisas sobre essa diáspora especial. O "Pequeno Brasil" na África não é apenas um resquício do passado, mas uma ponte cultural viva entre dois continentes unidos por uma história de dor, resistência e reconstrução.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Impactos das Estruturas de Poder Coloniais na América Latina: [Por Hallan de Oliveira]

As estruturas de poder coloniais moldaram profundamente a trajetória histórica e o desenvolvimento socioeconômico da América Latina. Desde o século XVI, a região foi incorporada ao sistema mundial como fornecedora de matérias-primas e mão de obra barata para as potências europeias, configurando um padrão de exploração e dependência que, em diversos aspectos, perdura até os dias atuais.

1. Exploração de Recursos Naturais e Mão de Obra:

A colonização da América Latina foi impulsionada pela busca por metais preciosos como ouro e prata. A exploração extensiva de recursos minerais financiou o desenvolvimento das metrópoles europeias, mas deixou um legado de pobreza e subdesenvolvimento na região. A descoberta de jazidas como Potosí, na Bolívia, no século XVI, exemplifica essa dinâmica. Potosí, outrora a maior cidade das Américas, tornou-se símbolo da riqueza extraída e da exploração da mão de obra indígena.

Paralelamente, a introdução de cultivos comerciais como a cana-de-açúcar, o café e o tabaco levou à formação de latifúndios, baseados na mão de obra escrava indígena e africana. Esse sistema produtivo consolidou uma estrutura social marcada pela desigualdade, concentrando a terra e a riqueza nas mãos de uma elite latifundiária.

De acordo com Galeano (1971), "a América Latina se especializou em perder desde o início da colonização, fornecendo recursos e mão de obra barata para o benefício das potências estrangeiras".

2. Deformação do Desenvolvimento Econômico:

O sistema colonial impôs à América Latina um modelo de desenvolvimento voltado para a exportação de matérias-primas e a importação de produtos manufaturados. Essa dinâmica, consolidada ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, impediu a diversificação da economia e o desenvolvimento de uma indústria nacional autônoma. O livre comércio, defendido pelas potências coloniais, beneficiou a indústria europeia, mas destruiu as manufaturas locais. No século XIX, a abertura dos mercados latino-americanos à Inglaterra consolidou esse padrão, aprofundando a dependência da região.

Com a expansão do capitalismo industrial, a construção de ferrovias, muitas vezes financiada por capitais estrangeiros, conectou os centros de produção aos portos de exportação, reforçando a inserção da América Latina na economia mundial como fornecedora de produtos primários. A ferrovia da United Fruit na Guatemala, no século XX, exemplifica como essa infraestrutura serviu aos interesses estrangeiros.

3. Fragmentação e Dependência:

As estruturas coloniais contribuíram para a fragmentação da América Latina. A divisão do território em diversos países, com economias voltadas para o exterior e elites locais ligadas aos interesses estrangeiros, impediu a formação de uma unidade política e econômica forte. A instabilidade política e os conflitos regionais que marcaram a história latino-americana, em parte, refletem essa fragmentação.

A dependência em relação ao capital, tecnologia e mercados externos limitou a autonomia e o desenvolvimento da região. A invasão de capitais estrangeiros industriais no século XX, intensificada após a Segunda Guerra Mundial, aprofundou a subordinação da América Latina no sistema global.

4. Legado Colonial e Desafios Contemporâneos:

O legado colonial continua a influenciar a América Latina. A região ainda enfrenta desafios como a desigualdade social, a concentração de terras, a dependência econômica e a fragmentação política. A persistência do latifúndio, a exploração da mão de obra e a vulnerabilidade aos ciclos de preços das commodities no mercado internacional são reflexos das estruturas coloniais.

A dependência tecnológica, a desnacionalização da indústria e a influência de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) reforçam a assimetria nas relações de poder entre a América Latina e os países desenvolvidos.

Em suma, as estruturas de poder coloniais impuseram à América Latina um modelo de desenvolvimento excludente e dependente, configurando um padrão de exploração e subordinação que continua a desafiar a região. A compreensão crítica desse legado histórico é fundamental para a construção de alternativas que promovam o desenvolvimento autônomo, a justiça social e a integração regional.