Mostrando postagens com marcador eurocentrismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador eurocentrismo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A Guerra Fria e a Ascensão do Sul Global: Um Contexto Complexo [Por Hallan de Oliveira]

 A Guerra Fria não deu origem ao Sul Global, mas sim criou condições para a sua ascensão e para o questionamento do eurocentrismo.

Contexto Histórico:

  • Ascensão do Capitalismo e Imperialismo (1789-1848): A Revolução Industrial e a Revolução Francesa marcaram o início de uma era de expansão europeia e conquista do resto do mundo. A superioridade militar e econômica do Ocidente levou à capitulação de antigas civilizações e impérios, estabelecendo um domínio global sem precedentes.
  • Guerras Napoleônicas (1792-1815): As Guerras Napoleônicas, motivadas por rivalidades econômicas e ideológicas, levaram a profundas transformações no mapa mundial e na atmosfera política. A França, apesar de derrotada, espalhou as ideias da Revolução Francesa, plantando sementes de contestação à ordem mundial eurocêntrica.
  • Primeira e Segunda Guerras Mundiais (1914-1945): As Guerras Mundiais marcaram o colapso da civilização ocidental do século XIX. A ascensão do fascismo e a subsequente vitória dos Aliados criaram um novo cenário global, com os EUA e a URSS emergindo como superpotências. A descolonização ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, impulsionada pelas lutas de libertação nacional e pela mudança na ordem mundial.

Guerra Fria e o Sul Global:

  • Descolonização e a Busca por Autonomia: A Guerra Fria acelerou o processo de descolonização, à medida que os EUA e a URSS competiam por influência nas ex-colônias. A disputa entre as superpotências abriu espaço de manobra para o Terceiro Mundo, permitindo que países do Sul Global buscassem maior autonomia.
  • Formação de Blocos e Não Alinhamento: A Guerra Fria dividiu o mundo em blocos ideológicos, mas também deu origem ao Movimento Não Alinhado, que buscava uma terceira via, independente das superpotências. Essa busca por autonomia política e econômica foi crucial para a consolidação do Sul Global como um ator político relevante.
  • Ascensão da China: Com o fim da Guerra Fria e a ascensão da China como potência econômica e política, o Sul Global encontrou novas oportunidades de cooperação e desenvolvimento, distanciando-se da influência do Ocidente.

Fim do Eurocentrismo:

  • Desafios à Hegemonia Ocidental: As Guerras Mundiais e a Guerra Fria enfraqueceram a hegemonia ocidental, abrindo espaço para a ascensão de outras potências e para a contestação da ordem mundial eurocêntrica. A descolonização, a ascensão do Sul Global e o surgimento de novas potências globais contribuíram para redefinir as relações de poder e desafiar a centralidade da Europa.
  • Crise do Modelo Ocidental: A crise econômica do entreguerras e a ascensão do fascismo expuseram as fragilidades do modelo ocidental, abrindo espaço para a busca por alternativas. O questionamento do liberalismo e da democracia durante a Era da Catástrofe contribuiu para a desmistificação do eurocentrismo.

Conclusão:

Embora a Guerra Fria não tenha "dado origem" ao Sul Global, ela acelerou o processo de descolonização e criou condições para a sua ascensão como um ator político global. A disputa entre EUA e URSS abriu espaço para a busca por autonomia e para a contestação da ordem mundial eurocêntrica. A ascensão da China no cenário global consolidou essa tendência, oferecendo novas oportunidades de cooperação e desenvolvimento para o Sul Global.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O Conceito e as Origens do Racismo Científico [Por Hallan de Oliveira]

 

O racismo científico, um conceito que ganhou força no século XIX, se apoiava na deturpação de teorias científicas, principalmente as evolucionistas, para justificar a hierarquia racial e a dominação de certos grupos sobre outros. As origens desse pensamento distorcido se encontram em um contexto de avanços científicos e sociais, mas também de profundas desigualdades e de busca por justificativas para a dominação.

  • A antropologia, em sua fase inicial, foi um dos campos que mais contribuiu para a ascensão do racismo científico.
    • A antropologia física, focada nas diferenças anatômicas entre grupos humanos, rapidamente adotou o conceito de "raça".
      • Essa classificação, combinada com as descobertas de fósseis pré-históricos, como o Homem de Neanderthal, levou alguns a associar determinadas características físicas à proximidade com "estágios inferiores" da evolução humana.
    • A antropologia cultural, por sua vez, propunha que diferentes culturas representavam estágios distintos na evolução social, culminando na "civilização moderna" europeia.
      • Edward Burnett Tylor, um dos expoentes dessa linha de pensamento, argumentava que a humanidade progredia do "animismo" primitivo para religiões monoteístas e, por fim, para o triunfo da ciência.
  • Essas ideias, embora defendidas por alguns cientistas, não encontravam respaldo nas teorias científicas da época.
    • A teoria da evolução, em sua essência, pressupunha a igualdade entre os seres humanos desde sua emergência como Homo sapiens, sujeitos às mesmas leis naturais, mas em contextos históricos distintos.
  • A popularização distorcida de conceitos científicos, como a "sobrevivência dos mais aptos", contribuiu para a difusão do racismo.
    • A ideia de "progresso" foi equivocadamente associada à superioridade racial, justificando a dominação dos países europeus sobre outros povos.
  • O racismo serviu como uma forma de racionalizar as desigualdades sociais em um período marcado pela ascensão da burguesia e pela difusão de ideais liberais e igualitários.
    • A contradição entre a ideologia igualitária e a realidade de uma sociedade desigual levou à busca por justificativas para a dominação de classe, e o racismo se apresentou como uma resposta conveniente.
    • A ciência, o principal trunfo do liberalismo, foi distorcida para defender a ideia de que os homens não eram iguais, legitimando privilégios e hierarquias sociais.
  • O racismo se infiltrou em diversas áreas do conhecimento, influenciando o pensamento da época, mesmo que não encontrasse respaldo nas teorias científicas.
    • A crença na inferioridade de certos grupos raciais era amplamente difundida, manifestando-se no horror à miscigenação e na ideia de que a mistura racial resultaria na degeneração da espécie.

Em resumo, o racismo científico surgiu da deturpação de conceitos científicos para justificar a dominação racial e social. Esse pensamento distorcido se apoiou na classificação racial da antropologia física, na interpretação hierárquica da evolução cultural, e na aplicação equivocada de conceitos como a "sobrevivência dos mais aptos". Apesar de não ter base científica, o racismo permeou o pensamento do século XIX, servindo como uma forma de racionalizar as desigualdades em uma sociedade que se pretendia igualitária.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

As Origens das Civilizações Africanas: Uma Jornada de Formação e Resistência

 

Por muito tempo, a história da África foi contada sob o prisma eurocêntrico, negando a capacidade do povo africano de criar culturas originais e vibrantes. Essa visão distorcida, consolidada por estereótipos raciais propagados durante o tráfico negreiro e a colonização, relegou a história africana a uma posição de inferioridade, ignorando sua riqueza e complexidade.  No entanto, com o crescente número de historiadores africanos e a utilização de fontes originais, como a tradição oral, a verdadeira face da África começa a emergir.

 

A formação das civilizações africanas se deu de forma orgânica e autônoma, impulsionada pela interação das populações com o meio ambiente e pelo intercâmbio entre diferentes regiões do continente. As fontes arqueológicas, por exemplo, demonstram que a África foi o berço da humanidade e palco de importantes inovações tecnológicas, como a metalurgia do ferro.

 

A diversidade cultural e linguística da África, longe de ser um fator de divisão, contribuiu para a riqueza e complexidade da sua história. As civilizações africanas se desenvolveram em constante interação, trocando conhecimentos, técnicas e crenças, e construindo uma rede de conexões que se estendia por todo o continente. Essa unidade histórica, muitas vezes ignorada, é fundamental para a compreensão da formação das civilizações africanas.

A influência externa, embora presente, não deve ser superestimada. A chegada do Islã, por exemplo, contribuiu para a formação de novas estruturas de poder e para a expansão do comércio, mas as sociedades africanas souberam adaptar à nova religião aos seus próprios valores e tradições. A presença árabe na costa oriental da África, por sua vez, não deve obscurecer que as cidades swahili foram fundadas por populações autóctones que já possuíam uma cultura rica e complexa antes da chegada dos estrangeiros.

 

Já como centros de intercâmbio comercial e de difusão do Islã, as cidades swahili da África oriental eram também frequentemente unidades administrativas, capitais de pequenos Estados dirigidos por dinastias muçulmanas locais. O melhor exemplo desses centros é Kilwa, bem conhecida como sede administrativa de uma dinastia, graças às duas versões de sua Crônica. Segundo esta fonte, a dinastia – cujos membros não eram africanos, mas persas – era originária da cidade de Shiraz. Em quase todas as cidades da África oriental existem mitos semelhantes, mas permanece a questão sobre a origem da camada dirigente das cidades swahili, que constituía um grupo social rico e islamizado. A resposta a essa questão seria significativa para se poder determinar se a civilização swahili é africana ou se foi trazida à África por estrangeiros.

 

Resistência à dominação estrangeira é uma constante na história da África, desde a luta contra a invasão romana até os movimentos de libertação nacional do século XX. A resistência dos escravos deportados para as Américas, a formação de quilombos e a participação em lutas pela independência são exemplos da força e resiliência do povo africano

.

A história da África é uma história de formação, interação e resistência. É uma história rica e complexa que precisa ser contada a partir de suas próprias fontes, reconhecendo a capacidade do povo africano de criar, inovar e resistir. É preciso romper com os estereótipos e preconceitos que obscurecem a verdadeira face do continente, revelando ao mundo a grandeza e a beleza das civilizações africanas.