O Nascimento de Israel e a Complexa Sombra da Violência de Estado no Pós-Guerra [Hallan de Oliveira]
A Segunda Guerra Mundial, um conflito de dimensões e barbárie sem precedentes, não apenas reconfigurou o mapa global, mas também serviu como catalisador para a criação de novas nações e o aprofundamento de conflitos preexistentes. Entre as transformações mais impactantes do pós-guerra, destaca-se o nascimento do Estado de Israel em 1948, um evento intrinsecamente ligado ao movimento sionista e que, desde então, tem sido palco de tensões e violência que levantam questões sobre a natureza do terrorismo de Estado.
O Sionismo: Uma Resposta ao Antissemitismo Europeu
As raízes do moderno "problema judaico" e do sionismo remontam ao final do século XIX, especialmente na Europa Oriental, onde a ascensão do nacionalismo veio acompanhada de uma onda de antissemitismo e pogroms (massacres) contra os judeus. Diante dessa perseguição, o sionismo surgiu como uma resposta, um movimento nacionalista que defendia a criação de um Estado judaico na Palestina.
Inicialmente, a migração judaica para a Palestina, então sob domínio do Império Otomano, era modesta. Entre 1881 e 1917, de um total de 3.177.000 judeus europeus que emigraram, apenas 60 mil foram para a Palestina. No entanto, a Declaração Balfour de 1917, emitida pelo governo britânico, prometeu a criação de um "lar nacional judaico" na Palestina, sinalizando um apoio à colonização judaica da região.
O Holocausto e a Urgência de um Lar Nacional
A Segunda Guerra Mundial e o Holocausto conferiram uma urgência dramática à causa sionista. As perseguições nazistas na Europa intensificaram significativamente a migração judaica para o território do Mandato Britânico na Palestina na década de 1930. O impacto psicológico do genocídio nazista e a chegada de sobreviventes tornaram a situação ainda mais complexa. Leon Trotsky, já em 1933 e 1938, alertava sobre o perigo do extermínio físico dos judeus, denunciando o antissemitismo como uma "convulsão da agonia do capitalismo". Ele argumentava que, com as fronteiras de países europeus e do "novo mundo" fechadas à imigração judaica e a Palestina vista como uma "miragem trágica", apenas a revolução poderia salvá-los do massacre.
O Fim do Mandato Britânico e a Proclamação de Israel
Em 1947, com a Grã-Bretanha incapaz de conter a imigração judaica clandestina e diante de uma situação que se agravava, Londres encaminhou a "questão palestina" à Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU elaborou um plano de partilha que previa a divisão do território em um Estado judeu e outro árabe-palestino. No entanto, já nessa fase, houve um crescimento de "atos de terrorismo" de ambas as partes, resultando na expulsão massiva de palestinos das áreas que seriam ocupadas por imigrantes judeus.
Em 1948, os britânicos encerraram seu mandato, e os judeus proclamaram o Estado de Israel. Imediatamente, as forças da Liga Árabe entraram em guerra contra a nova nação. Embora menos numerosas, as forças judaicas eram mais bem equipadas, treinadas e motivadas, contando com pilotos experientes, enquanto as forças árabes sofriam de complexas divisões internas. Como resultado dessa Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-1949), os judeus conseguiram ampliar os territórios que controlavam na Palestina para 20.000 km², representando 75% da superfície original, e o fluxo de refugiados palestinos aumentou consideravelmente. O restante do território foi ocupado pela Jordânia (Cisjordânia) e pelo Egito (Faixa de Gaza).
A criação de Israel foi apoiada pelos Estados Unidos e pela União Soviética na ONU. A Tchecoslováquia, por exemplo, forneceu armamento e aviões capturados de tropas nazistas para o exército sionista durante a guerra de 1948-1949. Contudo, a criação do Estado de Israel foi percebida pelos países árabes como um "encrave ou colônia ocidental", por trás da qual novos interesses imperialistas estariam penetrando na região. O nacionalismo árabe secular, inclusive, surgiu em oposição à política stalinista da URSS e dos partidos comunistas locais, que apoiaram a criação de Israel.
Sionismo e a Questão da Limpeza Étnica
Alguns setores veem o sionismo como mais do que um movimento nacionalista: uma tentativa de postular como solução para a "questão judaica" o estabelecimento de um Estado nacional judeu por meio da colonização de uma terra alheia, com a expulsão da população local. Os palestinos, nesse contexto, foram por vezes declarados como "não existentes". Documentos indicam que, no final de 1947, o "limpeza étnica" da Palestina já estava em curso, incluindo massacres de mulheres e crianças, como em Dawaymeh e Deir Yassin. Após a guerra, líderes sionistas rejeitaram a sugestão da ONU para o retorno de parte dos palestinos, e uma lei sobre "propriedades abandonadas" tornou possível a confiscação dos bens de pessoas ausentes. Essas ações levaram cerca de 900 mil palestinos a se deslocarem, muitos para campos de refugiados em outros países árabes. Em 1974, a ONU, ao reconhecer o direito palestino à independência, condenou o racismo, considerando o sionismo uma de suas formas.
A Violência de Estado como Terrorismo: Exemplos Históricos
A violência, especialmente a exercida por um Estado, é um tema de debate contínuo e doloroso na história contemporânea. O terrorismo é definido como uma ação armada contra civis, violência utilizada para fins políticos. O terrorismo de Estado, por sua vez, é aquele praticado por Estados nacionais. Este pode ser direcionado contra sua própria população, no que se chama modelo clássico totalitário, ou contra civis, muitas vezes estrangeiros, como no modelo norte-americano. Em ambos os casos, a violência estatal utiliza "tecnologias do terror para alcançar ou consolidar espaços geopolíticos".
A história oferece diversos exemplos de violência de Estado que podem ser enquadrados como terrorismo:
- Regime Nazista (Alemanha): Implementou uma política de terror, perseguição e morte contra os judeus, desconsiderando normas legais que proibiam assassinato e violência em nome dos interesses da "raça alemã".
- Regime Stalinista (URSS): Utilizou a força do Estado para minar dissidências, resultando em prisões e milhões de assassinatos. Durante a Guerra Fria, perseguiu membros do Comitê Judaico Antifascista, acusando-os de planejar uma república judaica na Crimeia como base para o imperialismo americano.
- Ditaduras Latino-Americanas: Regimes como os do Chile, Brasil e Argentina, durante o século XX, empregaram o terrorismo de Estado com perseguições, extermínios, torturas e deportações. No Brasil, a ditadura militar (1964-1985) recorreu à tortura, assassinatos e desaparecimentos, com a violência perpetuada, em parte, pela polícia militar. Agentes da CIA, desde 1961, foram descritos como promotores de "guerra psicológica" e "atos de provocação" para radicalizar o conflito político e desestabilizar governos.
- Guerra da Argélia (França): Ao final da Segunda Guerra Mundial, tropas francesas reprimiram violentamente populações revoltadas na Argélia e Madagascar. A guerra de independência da Argélia, iniciada em 1954 com uma onda de atentados, foi respondida com uma repressão francesa implacável, que custou a vida de um sexto da população do país.
- Ações Britânicas na Palestina Mandatária: O "Livro Branco" britânico de 1939 restringiu a imigração judaica para a Palestina, o que gerou reação violenta de grupos sionistas armados como o Irgun e o Stern. Em julho de 1946, o Irgun dinamitou uma ala do Hotel King David em Jerusalém, quartel-general britânico, matando 91 pessoas. Em resposta ao enforcamento de terroristas do Irgun, dois soldados britânicos foram enforcados e seus corpos dinamitados por terroristas judeus, com um líder afirmando: "Nós retribuímos na mesma moeda".
- Ações de Israel contra Palestinos: Desde sua fundação, as ações militares israelenses têm sido criticadas. A Guerra dos Seis Dias (1967) resultou na ocupação da Cisjordânia, Colinas de Golã e Península do Sinai, agravando o problema dos refugiados palestinos. Em 1970, o exército e beduínos jordanianos atacaram guerrilheiros palestinos no "Setembro Negro". Em 1982, Israel invadiu o Líbano para eliminar a OLP, coordenando massacres perpetrados por milícias cristãs contra civis palestinos em Sabra e Chatila e bombardeando Beirute. A Intifada (Revolta das Pedras), iniciada em 1987, foi um levante da população palestina na Cisjordânia e Gaza ocupadas. Acadêmicos notam que o governo israelense inclui o "lançamento de pedras" na contagem de "ataques terroristas hostis", levantando a questão se um menino jogando pedras é mais violento do que um soldado que o mutila. Essas ações são frequentemente caracterizadas como formas de terrorismo de Estado que "espalham a morte por meio de tecnologias do terror para alcançar ou consolidar espaços geopolíticos".
- Estados Unidos (no século XXI): A ideia de "guerra preventiva" de George W. Bush e as intervenções militares estadunidenses, como na Guerra do Iraque (a partir de 1990) e no Afeganistão, são também classificadas como formas de terrorismo de Estado que utilizam a força para consolidação geopolítica. O lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945, embora tenha acelerado o fim da guerra, é considerado militarmente questionável e uma demonstração de força diplomático-estratégica contra a URSS e os movimentos de libertação nacional. Gandhi chamou o uso da arma atômica de "o mais diabólico da ciência" e uma manifestação de "hitlerismo".
A discussão sobre o terrorismo de Estado exige a coragem de ir além do sensacionalismo midiático, compreendendo as raízes históricas do ódio político e o complexo jogo de poder entre as forças em conflito. É fundamental discernir as responsabilidades de governos autoritários e expansionistas, respeitando, ao mesmo tempo, as sociedades civis, muitas das quais não compactuam com as ações de seus líderes. A história do nascimento de Israel e a persistência da violência na região do Oriente Médio servem como um lembrete contundente dessa complexidade.
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