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Movimentos Políticos e suas imprecisões - Como os partidos estão se movimentando para 2026. [Por Hallan de Oliveira]

 Reconfiguração Partidária e Cenário Eleitoral de 2026

A recente saída do PP e da União do governo é um dos destaques do cenário político, com a justificativa de ser um "gesto de clareza e coerência" exigido pelo povo brasileiro e eleitores. Essa movimentação é interpretada como uma estratégia para a eleição geral de 2026, com partidos cobrando que seus parlamentares se desvinculem do governo para compor a oposição. Tais manobras sublinham a fluidez do sistema partidário brasileiro, que, como observa Alessandro Nicoli de Mattos, é caracterizado por um pluripartidarismo com uma grande quantidade de partidos centristas e uma predominância de partidos de esquerda em relação aos de direita, cujas posições podem variar significativamente ao longo do tempo, muitas vezes se movendo em direção ao centro. A baixa reputação dos partidos políticos na sociedade, conforme apontado por Nicoli de Mattos, adiciona uma camada de desconfiança a essas reconfigurações.

Historicamente, essa dinâmica pode ser relacionada à observação de Wanderley Guilherme dos Santos sobre a capacidade dos partidos de oposição de se reinventarem e buscarem um discurso, mesmo que às vezes focado em retóricas de escândalos.

O Chamado à Politização e o Desafio da Informação

O Presidente Lula, ao pedir a mobilização popular contra a aprovação do projeto da anistia, afirmou que o Brasil vive um "momento de incompreensão" e que é preciso "politizar as comunidades". Ele enfatizou a necessidade de combater as fake news e orientar as pessoas sobre o que é certo e errado.

Essa iniciativa dialoga com a tese de Renato Janine Ribeiro e Mario Sergio Cortella, que defendem que "política não é coisa de idiota", utilizando o sentido grego de "idiota" como aquele que vive para si mesmo e não se engaja na vida coletiva. Ambos os autores e Nicoli de Mattos defendem a importância da participação política informada para uma democracia saudável, ressaltando que a abstenção ou a falta de interesse são, em si, atos políticos que favorecem a continuidade do status quo.

O Papel da Mídia e os Desafios da Concentração

A preocupação com as fake news destacada pelo presidente Lula é um ponto crítico, dado o poder desestabilizador da mídia e sua capacidade de influenciar a opinião pública, como apontado por Wanderley Guilherme dos Santos. Wanderley já havia criticado a imprensa por alinhar-se aos interesses do mercado e das avaliações internacionais, buscando pautar futuras administrações.

Nicoli de Mattos também sublinha o papel fundamental da imprensa nas democracias para a livre circulação de informações e a denúncia de abusos, mas alerta para os efeitos negativos da concentração de propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos, que podem usar esse poder em interesse próprio. As redes sociais, embora facilitando a participação, têm se tornado um canal para a popularização de ideias extremistas e a disseminação de inverdades, exigindo um "ceticismo" do leitor.

Judiciário e os Limites da Atuação Política

As movimentações políticas ocorrem também no contexto de uma crescente intervenção do Poder Judiciário em questões tradicionalmente legislativas. Wanderley Guilherme dos Santos, em análises passadas, criticou o Judiciário por impor "dura punição" a políticos que trocam de legenda partidária e por interferir em áreas de competência parlamentar, alegando lentidão do Congresso. Ele observou que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) podem manifestar preconceitos em relação à política profissional e partidos populares em seus discursos, influenciando o ambiente político. Essa atuação levanta questões sobre os limites da legitimidade judicial e a "ditadura do arbítrio".

Dinâmicas de Poder e Hegemonia das Classes Dominantes

Do ponto de vista teórico, a análise marxista de Danilo Enrico Martuscelli oferece ferramentas para compreender as complexas relações de poder subjacentes. As saídas de partidos do governo e as tensões políticas podem ser interpretadas como conflitos internos ao "bloco no poder" burguês. A aferição da hegemonia política, ou seja, a identificação de quais frações de classe têm seus interesses priorizados, exige o exame dos "efeitos e da correspondência entre aspectos decisionais e não decisionais da política econômica".

A discussão sobre a "burguesia interna" e a "burguesia associada" é relevante, pois as frações dominantes ligadas à atividade produtiva (burguesia interna) tendem a exercer melhor a hegemonia ideológica, apresentando-se como promotoras de progresso, enquanto as ligadas à atividade improdutiva (como setores bancários e financeiros) encontram mais dificuldade em intervir publicamente. No caso brasileiro, Danilo Martuscelli, ao analisar crises políticas anteriores, como a do governo Collor (1992) e do "mensalão" (2005), indicou que a burguesia interna logrou dirigir frentes políticas para resistir a interesses do imperialismo, mesmo sem exercer a hegemonia no bloco no poder.

Sofia Manzano destaca que a economia política é uma ciência social que trata das relações entre pessoas e classes, e que as teorias econômicas dominantes, muitas vezes, encobrem o caráter histórico do capitalismo, buscando culpados externos para as crises em vez de analisar o processo produtivo capitalista em si. Essa perspectiva é crucial para entender como os interesses econômicos se manifestam e se institucionalizam na esfera política. O "capitalismo fisiológico," onde políticos aceitam subornos em troca de leis que beneficiam grupos de interesse econômico, é uma prática arraigada no Brasil e transversal a diferentes posições políticas.

As Raízes Históricas das Crises Políticas

A instabilidade atual remete às raízes históricas da crise política brasileira, como analisado por José Pedro Galvão de Sousa em 1965. Sousa criticava o "apriorismo político", a tendência de construir sistemas baseados em princípios jurídicos abstratos, desdenhando a realidade e a história, e a importação de fórmulas estrangeiras que não se adaptam à realidade nacional. Essa desconexão entre a "constituição jurídica" (ordem legal) e a "constituição histórica" (bases reais da lei) leva a crises políticas. A instabilidade política, as comoções eleitorais e a demagogia são traços recorrentes na história política do Brasil.

Conclusão

O momento político atual no Brasil é uma "condensação de contradições", nas palavras de Poulantzas, envolvendo a reconfiguração de alianças partidárias, a crescente demanda por politização da sociedade, a atuação incisiva do judiciário, e a persistente influência de grupos econômicos e da mídia na formação da opinião pública. A compreensão desse cenário exige uma análise que transcenda as aparências, buscando os interesses de classe camuflados e as assimetrias de poder historicamente construídas. A superação dos desafios democráticos dependerá, em grande parte, da capacidade da sociedade de se engajar de forma crítica e informada, como advogam os teóricos, para enfrentar as crises políticas que, no contexto de reprodução social do capitalismo, podem alterar formas de Estado, regime ou governo, sem necessariamente levar a uma transformação revolucionária do tipo de Estado.

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